ASPROC lidera arranjo comercial de dez grupos no Médio Juruá, dos quais apenas cinco iniciaram a pesca
Dos dez grupos participantes do arranjo comercial liderado pela ASPROC em Unidades de Conservação e Acordo de Pesca localizada no município de Carauari (AM), apenas cinco iniciaram a pesca devido a dificuldades logísticas causadas pela seca histórica no Amazonas.
Além da pesca do pirarucu, a do tambaqui também foi prejudicada pela seca, a pesca também é comprometida pelo início do período do defeso no dia 1° de outubro – intervalo de tempo em que a pesca de determinadas espécies de peixes é proibida, ou restrita, com o objetivo de proteger os animais durante suas fases mais vulneráveis, como reprodução, crescimento ou migração, garantindo a sustentabilidade das populações aquáticas.
O maior risco é o de desabastecimento da espécie no mercado – a meta da ASPROC para a safra de pirarucu em 2024 são 460 toneladas de peixe. Neste mesmo período no ano passado, 50% desse volume já estava em processamento no frigorífico, sendo que este ano, até o momento, apenas 25% do peixe capturado foi entregue.
As organizações comunitárias envolvidas na cadeia do pirarucu pedem que o poder público tome medidas imediatas para atenuar esse sofrimento das famílias manejadoras e que dialogue com as organizações comunitárias para construção imediata de um plano emergencial de adaptação a mudanças climáticas extremas como a seca em curso.
Em agosto de 2024, técnicos do Instituto Mamirauá, parceiro da ASPROC, elaboraram o documento “Carta com Recomendações para Mitigação dos Impactos das Estiagens Severas em Comunidades Ribeirinhas do Amazonas”. O documento foi entregue ao vice-governador do Amazonas, Tadeu de Souza, durante visita à Reserva Mamirauá, com sugestões que incluem o mapeamento das comunidades em risco de isolamento, a ampliação da comunicação via internet para áreas vulneráveis e o aumento da rede de estações de monitoramento do nível do rio. Também foi proposta a criação de um Fundo de Ações Emergenciais e a inclusão de instituições e pesquisadores do interior no Comitê Técnico Científico sobre Mudanças Climáticas.
Ana Cláudia Torres, coordenadora do Programa de Manejo Florestal Comunitário do Instituto Mamirauá, relatou os principais desafios enfrentados pelos grupos durante a estiagem. O manejo do pirarucu ocorre entre agosto e novembro anualmente. “O aumento no custo dos insumos está impactando a cadeia produtiva do pirarucu e outras atividades. O preço dos insumos nas sedes dos municípios e nas comunidades está muito alto devido ao aumento do frete e ao maior tempo de deslocamento”, explicou.
As mercadorias, que antes chegavam diretamente ao porto, agora precisam ser transportadas por canoas ou pequenas embarcações, muitas vezes exigindo até três fretes adicionais, o que eleva significativamente os custos, segundo a coordenadora.
Impacto no custo
A seca tem causado sérios impactos no transporte das embarcações no Médio Juruá, conforme Eude Santiago, coordenador de produção da ASPROC. Ele explica que passagens anteriormente navegáveis por embarcações de pequeno porte agora estão secas, especialmente em áreas com pedras. Além disso, onde há maior concentração de peixes, embarcações maiores não conseguem acessar os locais.
A seca também afetou o acesso aos lagos e forçou o adiamento de viagens de embarcações com destino a Manaus, dificultando o alinhamento entre a chegada de barcos das comunidades e a saída das embarcações que transportam o pirarucu. “Os barcos que trazem o peixe das comunidades precisam esperar dias para transferir o pescado para as embarcações que o levam aos frigoríficos em Manacapuru”, relatou Santiago.
O aumento no tempo de espera e deslocamento elevou os custos de operação. Um cliente que antes pagava 0,50 centavos por quilo de transporte agora precisa desembolsar 0,70 centavos, sem contar o aumento no consumo de gelo, impactando as despesas em até 40%.
Riscos
Outro agravante é o risco à navegação. Em 2023, um barco que transportava pirarucu naufragou, e a escassez de embarcações para frete tem aumentado, pois muitos proprietários evitam navegar devido aos riscos associados aos baixos níveis dos rios.
Raimundo Cunha, gerente do ferry boat Dona Val, tem documentado as dificuldades de navegação nos rios da Amazônia em vídeos nas redes sociais. Em um dos vídeos, ele demonstra a prática de medir a profundidade dos rios Juruá e Solimões usando canos de PVC conectados e marcados com fita adesiva. “Saímos com um bote e medimos para ver a ‘fundura’ por onde o barco pode passar, buscando o melhor caminho”, explicou.
A embarcação, que faz a linha Manaus-Carauari com escala em Juruá, encalhou em uma viagem recente. “Conseguimos passar pelo Solimões, mas encalhamos em uma passagem crítica, tentamos redistribuir a carga no barco para ver como seguir viagem, mas não adiantou”, contou Cunha, explicando que, em casos de encalhe, a única saída é aguardar o resgate.
Como a autorização de pesca emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) vale de agosto a novembro, é incerto se os manejadores conseguirão fazer a pesca do pirarucu até o período programado.
Outra questão que tem gerado certa insegurança é a velocidade da enchente. A seca além de extrema, foi muito rápida – o rio secou numa velocidade atípica, o que levou muitas embarcações a encalhar.
Algumas comunidades no Médio Juruá como a de Xibauazinho e São Raimundo sinalizaram que analisam a possibilidade de não fazer o manejo este ano pela proximidade do “repiquete”, fenômeno que ocorre durante as cheias dos rios, exatamente quando o pirarucu começa a desovar.
Texto: Fabíola Abess
Foto: Francisca Cunha/ Outubro de 2024